Ludwig Andreas Feuerbach, filósofo alemão do século 19, disse que “como forem os pensamentos e as disposições de um homem, será assim o seu Deus; quanto valor tiver um homem, exatamente isto e não mais será o valor de seu Deus.

de Deus é autoconsciência, conhecimento de Deus é autoconhecimento”. Daí; podemos pensar em termos da experiência pessoal de Deus e da religiosidade dentro da nossa condição de homem no mundo.

Como se dá sua vivência de religiosidade e, a partir daí, sua relação com Deus?
Eu me sinto “impregnado” de Deus, e, conseqüentemente “impregnado” de Vida, e de Vida em abundância, conforme Jesus veio nos ensinar. Relaciono-me com Deus através do Cristo, que encontrei na Doutrina Espírita – do Cristo que nos ensina a amar o próximo como a nós mesmos! Como escreveu Bezerra de Menezes por nosso intermédio, a distância que me separa do próximo é a mesma que me separa de Deus.

Como se deu a entrada no Espiritismo e, a partir de suas experiências na Doutrina, como o senhor avalia sua trajetória de formação do homem Carlos Baccelli?
Eu não consigo me conceber sem o Espiritismo. Foi na Doutrina que eu me fiz e continuo me fazendo todos os dias. O Espiritismo, para mim, é Jesus, e, por isto, Espiritismo sem Jesus não tem sentido. Jesus foi a Face de Deus para o homem no mundo! Ensinando quanto Deus está próximo do homem, Ele aproximou o homem de Deus.

O senhor poderia falar de suas primeiras experiências mediúnicas até a maturidade da faculdade para o trabalho de recepção de mensagens familiares que desempenha?
A caminhada tem sido árdua, mas quem teve e tem a Chico Xavier como parâmetro não pode desistir. Nada, a não ser a Vontade Divina, poderá me arredar do cumprimento de meu dever mediúnico até o fim. A recepção das mensagens familiares, mais do que técnica e sintonia, requisita do médium o mais completo desinteresse e maior espírito de abnegação.

Chico Xavier ocupa uma posição fundamental na sua vida. Como esse laço de convivência e amizade foi sendo formado?
Aos poucos. Quando ele veio para Uberaba, eu estava com 6 anos de idade. Foi pela televisão que o vi a primeira vez, no célebre programa “Pinga-Fogo”. A figura daquele homem simples e sábio me cativou para sempre. Depois, ele próprio se encarregou de estreitar laços de amizade conosco. Chico, para quem não sabe, é meu padrinho de casamento e “compadre”... A não ser Jesus Cristo, eu não sei de ninguém como ele. Sempre foi muito maior como homem que como médium. Eu e Márcia temos uma carta dele para nós, que, oportunamente, publicarei, na qual ele nos revela que estávamos entre os “amigos do arco-íris”, os espíritos que via em Pedro Leopoldo, no início de sua abençoada jornada mediúnica.

Conte-nos sobre as parcerias mediúnicas com Chico Xavier, como elas se deram, como ele contribuiu para sua formação de médium?
Ele foi aos Correios, onde me aposentei como cirurgião-dentista, e me convidou, em nome de Emmanuel, para a formação do primeiro livro, intitulado “Fé”. Os fatos mediúnicos foram admiráveis: sonhei com ele me dizendo qual seria o título do livro que daria inicio à nossa parceria mediúnica. Foram dez livros, publicados pelo IDEAL, de São Paulo, e pelo IDE, de Araras. Nos livros biográficos que escrevemos sobre ele, Chico também nos auxiliou muito, entregando fotos, documentos, mensagens inéditas, recortes de jornais, entrevistas... Durante anos, eu e Márcia – apenas nós dois - nos reuníamos com ele, às noites de quarta-feira, em sua casa. Chegávamos lá as 20hs e saíamos depois das 00hs. Conversávamos sobre Doutrina, mediunidade, vida noutros Planos, obras de assistência...

Sobre os espíritos Irmão José e Odilon Fernandes, como foi o primeiro encontro dentro das tarefas espiritistas mediúnicas?
Irmão José faz parte da Falange de Espíritos Amigos que se encarregou de difundir a Doutrina no Triângulo Mineiro. Ele se comunicava pela D. Maria Modesto Cravo, com a qual o Dr. Inácio Ferreira trabalhava. Chico me dizia que Irmão José se parecia com um profeta emergindo das páginas do Antigo Testamento... Ele foi Barnabé, parceiro de Paulo em suas andanças e tio do evangelista Marcos. Quanto ao Dr. Odilon Fernandes, foi o primeiro espírito a conversar comigo, através de uma médium simples, anônima lavadeira que freqüentava a Casa Espírita “Bittencourt Sampaio”. Foi ele, quem mais me ensinou sobre mediunidade. O prefácio que Emmanuel escreveu para o seu primeiro livro, por nosso intermédio – “Mediunidade e Doutrina” –, é comovente.

O senhor privou uma convivência com o Dr. Inácio Ferreira e também atuou como médium no Sanatório Espírita, não foi? Como se deu o primeiro contato com o médico depois de sua desencarnação para as tarefas literárias que se seguem?
Sim, fui amigo particular do Dr. Inácio, que, certa vez, quando eu estava desempregado, me arranjou emprego no Sanatório como “Terapeuta Ocupacional”... Ele me chamou e disse: - “Você será os meus olhos aqui dentro!” Assistíamos juntos a jogos de futebol, principalmente os da Seleção Brasileira. Lamentamos, em sua casa, a perda do campeonato na Espanha. Dr. Inácio nos auxiliou a construir o “Pedro e Paulo”, com dinheiro e incentivo – mas também foi ele que, pacientemente, nos entregou, em isopor, a “maquete” da Instituição. Fez surpresa para mim... Certo domingo, quando cheguei à sua casa, nas visitas habituais que lhe fazia, ele buscou a “maquete” de isopor e me perguntou se era mais ou menos aquilo que pensávamos em construir. Quem disse que ele se comunicaria por mim, foi o Chico. O Sérgio, sobrinho de Chico, que mora em Pedro Leopoldo, está aí para testemunhar.

A produção de um livro mediúnico é antecipadamente acordada com o senhor pelo espírito autor ou na constância da psicografia é que as mensagens vão formando a narrativa e se percebe uma obra em construção?
Acontece, por assim dizer, de várias maneiras. Cada livro é uma história diferente. As experiências mediúnicas se diversificam de médium para médium. O Dr. Inácio, por exemplo, conversa muito comigo antes. O Dr. Odilon escreve com uma facilidade impressionante, abordando o tema de sua preferência, que é Mediunidade. Irmão José é a síntese. Eurícledes Formiga é a poesia. Eu não sabia compor uma trova de “pé quebrado”! Por conselho de Chico, tomei aulas com o prof. Fausto De Vito. O Chico me deu de presente um Dicionário de Rimas da Língua Portuguesa e me disse que os poetas estavam querendo escrever por meu intermédio. O Formiga foi me trazendo outros amigos para escrever: foi ele quem me ensinou musicalidade e ritmo, dizendo que o poema tinha que cantar aos meus ouvidos...

Como é sua dedicação ao exercício da mediunidade?
Constante. Estou sempre estudando “O Livro dos Médiuns” e, principalmente, André Luiz. Diz o nosso caro Dr. Odilon Fernandes que, em matéria de mediunidade, agora é que estamos deixando a caverna... Chico sabia muito; todavia nós outros, os demais médiuns, nos nivelamos... E não adianta ninguém chiar! Os médiuns que estão por aí mais produzindo, pelo que vejo, ainda sabem muito pouco. Outra coisa: mediunidade na teoria não é mediunidade na vivência!

Odilon Fernandes, em suas obras, diz, em síntese, que as características da mediunidade na atualidade são a parceira e a consciência do sensitivo. Deixa o médium de ser um autômato para ser um cooperador ativo a fim de que os fins do intercâmbio se dêem satisfatoriamente. Noutras palavras, o médium se habilita para a própria mediunidade. Qual sua interpretação da mediunidade e do perfil mediúnico na fenomenologia apresentada pela Doutrina Espírita?
É exatamente o que você disse. Segundo o Dr. Odilon, a tendência é que o homem se faça cada vez mais médium, e médium consciente, ou seja, lúcido parceiro dos espíritos. O Dr. Inácio é muito engraçado e vai direto ao assunto. Há pouco, ele me disse: - “Filho, o Espiritismo não detém a patente da mediunidade...” Num átimo, entendi o que ele queria dizer. A mediunidade irá começar a fugir ao âmbito da Doutrina. E daí? Vamos querer regular o intercâmbio com os desencarnados? Vamos não referendar? Ora, a visão espírita é um dos ângulos de visão através do qual se pode enxergar a Vida, concorda? O Mundo Espiritual não é espírita! Dr. Inácio foi o primeiro a falar a respeito...

Os trabalhos de recepção das mensagens familiares possuem um forte componente emocional para familiares, espíritos comunicantes e mesmo aqueles que ali se reúnem para participar ou assistir. É comum pessoas que não familiares dos missivistas desencarnados envolverem-se afetivamente e irem às lágrimas, transformando aquele encontro em experiência marcante. Atuando como o médium, como o ponto focal de tantas qualidades emocionais vibrantes, que sensações lhe passam? As emoções dos espíritos, seu estado psicológico, são sentidos pelo senhor? Qual sua avaliação do trabalho que é desempenhado naquelas manhãs no Lar Espírita “Pedro e Paulo’’?
Devo dizer que, a cada reunião, se me sinto satisfeito por, embora imperfeitamente, cumprir o dever de médium, experimento, por outro lado, grande frustração. Os espíritos gostariam de dizer bem mais do que conseguem escrever... O médium, como ensina o Dr. Odilon, fica sempre devendo à mediunidade e ao espírito comunicante. Mas, às vezes, é o espírito quem fica devendo. Não sei se está dando para entender! A psicografia, por vezes, é quase uma “incorporação” – a gente sente quase tudo do espírito! Mas aí é que deve entrar o médium, com a supervisão dos Benfeitores Espirituais, porque, caso contrário, o espírito, em vez de escrever, vai pegar a caneta e apenas chorar sobre as laudas... Cada experiência mediúnica é muito rica; para ser descrita com palavras! Isto, como médium, é que me dá a certeza da independência do pensamento e da emoção do espírito sobre mim.

“E para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (2 Coríntios 12:7-9). O que é, para o espírita, o seu espinho na carne? E qual o espinho na carne para o Carlos Baccelli?
A consciência de minhas limitações e a impossibilidade, pelo menos momentaneamente, de superá-las. Agora, espinho, cada qual tem o seu, não é? E sabe muito bem onde é que lhe espeta. A quem, porventura, não sabe os meus pêsames. Infeliz de quem não tem um espinho próprio, para seu gasto pessoal, porque vai ter recorrer aos préstimos de alguém...

Bernardo Lewgoy, no artigo “Etnografia da leitura num grupo de estudos espírita” (Horiz. antropol. [online]. 2004, vol.10, n.22, pp. 255-282. ISSN 0104-7183.), disse em uma análise crítica: “Para as finalidades de nossa discussão, convém salientar que as indicações bibliográficas que os espíritas me faziam serviram não exatamente para estabelecer um recorte, mas para a própria introdução do pesquisador em campo. Ser iniciado é, em primeiro lugar, receber orientações de leitura, como um principiante, qualquer que seja o pretexto para a aproximação. Há, no espiritismo, uma hierarquização estabelecida que presume não tanto a desigualdade de saberes, mas a desigualdade de esclarecimentos entre os espíritas e os não-espíritas. Quando fui comprar o Livro dos Espíritos pela primeira vez, no posto de venda de livros da Sociedade Espírita Allan Kardec (a mais antiga sociedade espírita de Porto Alegre, de 1894), um senhor advertiu-me que eu deveria comprar as três obras básicas se eu quisesse estudar Kardec, que não adiantava eu comprar só uma porque elas formavam uma unidade.

Essas orientações espontâneas são comuns nesse ambiente, encaradas como um dever daqueles que têm mais tempo de espiritismo. Se a idéia de uma "hierarquia de potencial" funcionava como um critério de diferenciação interna entre os espíritas, a "antigüidade na doutrina" também era usada pelos informantes como uma espécie de classificação hierárquica complementar, certamente importante num sistema religioso que tanto valoriza a igualdade entre os participantes.3 Por exemplo, ao questionar uma médium sobre a palestra doutrinária que esta havia proferido, foi-me respondido: "Ora quem sou eu para dar palestra, eu só comentei um trecho do Evangelho." Outra manifestação comum combinava modéstia e auto-identificação de antigüidade: "sem a pretensão de saber alguma coisa, é essa a minha convicção dentro dos meus modestos 28 anos de participação nas hostes do espiritismo".

A despretensão, combinada ao argumento de autoridade "28 oito anos de participação" compõem uma espécie de retórica da humildade, valor de múltiplas implicações na religiosidade espírita. Ela não apenas indica a presença de uma "atitude cristã", associada à prática da caridade, como situa o médium numa posição de dependência e diminuição do eu que favorece a passagem do espírito comunicante.”.

A literatura do dr. Inácio Ferreira é pontuada de personagens espíritas que se deparam com difíceis conflitos íntimos entre a imagem idealizada sustentada no papel que desempenhavam em sua comunidade espiritista e a realidade do patrimônio espiritual que efetivamente são a essência de cada um. O modelo de vivência das práticas espiritistas, que, frise-se, é produto da cultura que, como tal, é construção dos homens na sua busca ética, precisa ser revisto?
Creio que sim e, mais ou menos, urgentemente. Não sou favorável a formalidades do Movimento Espírita. Isto abre ou reabre um precedente perigoso. Para mim, o bem mais precioso da Doutrina é a liberdade que confere aos seus adeptos para professá-la. Eu não devo obediência a ninguém – apenas à minha consciência! O elitismo, aos poucos, vai tomando conta do Movimento. Chico tinha grandes preocupações a respeito. O elitismo doutrinário sufoca o aspecto “Consolador Prometido” da Doutrina. Prezo todas as opiniões que divergem da minha, mas, sinceramente, o Espiritismo, do ponto de vista histórico, está chegando a uma encruzilhada perigosa. Repetiremos os equívocos do Cristianismo?

Nos momentos difíceis, em sua vida particular, como restaura o seu equilíbrio? Quais experiências marcantes foram fundamentais na sua história de vida?
Restauro o meu equilíbrio conversando com os velhinhos que residem conosco no Lar Espírita “Pedro e Paulo”; restauro o meu equilíbrio auxiliando na limpeza da referida Instituição e organizando a despensa; restauro o meu equilíbrio visitando um amigo que está doente; restauro o meu equilíbrio participando como médium nas sessões de desobsessão da Casa Espírita “Bittencourt Sampaio”, onde estou desde os 17 de idade, há quase exatos 39 anos... Toda experiência nos marca de maneira enriquecedora, mesmo aquela que nos deixa um gosto amargo na boca. Quando a gente se dispõe a aprender, tudo é lição. Até mesmo as críticas têm me auxiliado muito, pois, sem elas, eu já teria caído há tempos.

Se o senhor fosse deixar uma mensagem para as pessoas importantes, como uma herança, o que diria para seus pais, seus irmãos, sobrinhos, filhos e neta?
Ainda é cedo para deixar herança... Chico dizia que a gente não deveria aceitar elogios enquanto estivesse encarnado, porque, às vezes, no pouco que nos resta a viver, ainda podemos derrapar. Eu não tenho e não penso em fazer testamento. O meu legado, a quem possa querê-lo, será a minha vida. Desde já, sei que, um dia, irei partir deste mundo, não tendo feito nem a metade do que deveria fazer. Para não falar de qualidade, estou falando de quantidade... Mas a Reencarnação aí está, e, com certeza, a Misericórdia Divina, que não quer a morte do pecador, nos concederá renovadas oportunidades de trabalho e ascensão. Estou plenamente convencido, com o Dr. Inácio, de que estar ou deixar de estar encarnado é apenas uma questão de um pouco mais ou um pouco menos de matéria!


A vida de Chico Xavier

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